quarta-feira, 25 de julho de 2007

Tapa-furos

A finalidade principal das aulas de substituição é a de evitar que uma turma sem aulas, durante um tempo lectivo (normalmente 90 minutos), fique no recreio ou noutros espaços escolares sem freio; receia-se a arruaça, por isso enjaulam-se as crianças e adolescentes na sua própria sala com um professor qualquer.
Também fiz substituições, muitas, porque quem é refinado sabe quem falta muito e quem merece apanhar por tabela, logo no meu horário as horas de substituição ficaram onde, à partida, se sabia que eu avançaria, aliás avancei sempre porque era a única professora substituta naquela hora. A turma aceitou-me, não houve confrontos; também é verdade que os deixei à vontade: jogaram xadrez, se bem que não estivessem no clube de xadrez, discutimos questões estéticas apesar de não estarmos no café; viram filmes sem precisar de ir para a biblioteca, namoraram, como se estivessem no recreio, enfim diversificaram -se as actividades de interacção social. E os alunos nem pediam para sair da aula, digo, da sala, mais cedo. Eu, bem, eu estava desejando de sair dali, daquela mascarada que parece que é escola. Depois sentia-me triste, muito triste, porque eu não nasci para este calvário.

......

«Quando eu era puto, se faltasse um professor era dia santo na paróquia. Íamos para o recreio jogar futebol, ou rénar aos cábois, ou andar à porrada... essas coisas que os putos fazem para queimar energia. Claro que, nessa altura, a Escola era uma instituição respeitável (e respeitada), e as escolas dispunham de pessoal auxiliar em número suficiente para, com um olho no burro e outro no cigano, impedir que fizéssemos asneirada da grossa.

Nessa altura, a stora de Desenho ir substituir o careca de Francês era uma coisa impensável! Nem a stora de Desenho estaria disposta a isso!

Com o tempo, as coisas foram mudando. Os Professores começaram a fazer trabalho de secretaria, cada vez mais, cada vez mais, cada vez mais... E o Pessoal Auxiliar foi diminuindo cada vez mais, cada vez mais, cada vez mais...

Não me espanta, portanto, esta história das aulas de substituição! Não há Pessoal Auxiliar para tomar conta dos putos, portanto os ditos putos não podem ir para o recreio. Se não podem ir para o recreio, têm de ficar na sala de aula. Mas, se ficam na sala de aula, quem toma conta deles? Os camelos dos Profs, sem dúvida! É tudo uma questão de economia!

Eu varro o meu pátio e lavo o chão da minha cozinha, não me caem os parentes na lama por isto! Contudo, antevejo o dia em que serei despedido por me ter recusado a lavar o chão da sala onde dei aula ou a varrer a entrada do pavilhão...

Antevejo, também, muitas outras situações surrealistas. Estou sentado, na sala de Professores, dormitando um bocadinho (tenho oitenta anos de idade e, ainda, me faltam dez para a reforma), entra o delegado de turma do 10ºC, abana-me e grita-me ao ouvido «Stor Fóssil! Faltou o Carlitos, o nº 7. O stor tem de substitui-lo, senão a aula de Matemática não pode começar... são precisos quarenta alunos!». Ou então, mais agradável, ser chamado ao Conselho Executivo, porta fechada, alto secretismo, uma trintona de mini-saia, e a Presidente «Caro Fóssil, esta senhora é a mãe da Mariana do 10ºC. O marido dela é um pai ausente... quer substituí-lo?». «Na cama?!».

A ausência dos pais não justifica a estupidificação dos Professores! A Escola não é a Casa Pia! Os Professores não são amas-secas, nem psicólogos, nem polícias dos alunos. Os Professores são Professores! Sem Professores, não há Ensino!

Enquanto aluno, nunca tive aulas de substituição e não foi por isso que não completei os meus estudos, uma licenciatura (de cinco anos!), inclusive. Claro que fracturei um braço e tenho duas ou três cicatrizes (de queda, ou pedrada) no corpo, mas esse foi o meu papel... ser puto!

Claro que fumei as minhas ganzas, e mantenho o vício do tabaco. Só falta que alguém me diga que foi por não haver aulas de substituição...

Organizem-se! Dêem aos pais a possibilidade de serem pais! Dêem aos Professores a possibilidade de ensinar, sem constrangimentos! Dêem aos desempregados um emprego, contratando funcionários para as escolas! Gastem dinheiro com a Educação!

A Educação não é um negócio! É um investimento nacional!»


V. Santos

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